na primeira vez em que, por conta de um surto oferecido pela esclerose múltipla, perdi a visão de um olho, o meu neuro perguntou se eu tinha condições de me internar apenas por um dia no sírio. lamentou a minha negativa, disse que se eu pudesse seria provável que o problema fosse resolvido em menos de 48 horas e que me restaria a opção de tomar remédio de farmácia, pra coisa desinflamar em cerca de um mês.
surtos podem deixar sequela ou não, sempre acompanham dose extra de emoção, especialmente quando se é pobre e não tem a menor condição de se tratar direito. fazia tempo que não tinha uma crise mais braba. mas escrevo essas linhas sem a visão do olho direito e sem foco do esquerdo. essa condição já tem umas duas semanas e o corticóide bosta trouxe uma melhora beeeeem lenta. esperar é o que me resta.
deus é bom o tempo todo.
um dos sintomas do meu quadro atual é a mudança de sensibilidade sob o efeito da luz. me movimento melhor no escuro, tal como um chuck mcgill do centro paulistano, mas a luz do sol atinge os meus olhos como um poderoso flash. por sorte carrego comigo a responsabilidade de cuidar de um adorável doguinho, que levo pra passear mais de uma vez por dia. se não fosse por ele talvez estivesse trancado num quarto escuro com quadro de depressão. pelo menos o risco de queda seria menor.
mas sair pra rua nos abre portas e possibilidades. além de fazer com que nos adaptemos à nossas próprias limitações.
aqui no bairro tem o naif, cafeteria onde bato ponto por conta de amigos que fiz lá e também do casal de baristas firmeza que pilota o dia a dia da operação, além dos donos sempre serem gentis comigo.
pois bem. a mina do casal, a grasiela, além de preparar um ótimo chá mate com limão gelado e batido do jeito que gosto, cuida de sua casa com o marido super diabético - e skatista., além de bom chapeiro, seu kimcheese é ótimo - duas filhas lindas e ainda arruma tempo pra praticar boxe.
tudo isso cega de um olho. e nunca se queixou comigo, tá sempre com um sorrisão no rosto. só sei de sua condição porque puxei assunto.
já o marcio silva tem 29 anos de bar e é referência internacional em coquetelaria. a coisa até que ia bem, mas em pouco tempo o seu casamento acabou, o seu bar se perdeu e todo o seu dinheiro foi gasto com o tratamento médico de sua mãe, que infelizmente morreu.
como desgraça pouca é bobagem, deus, esse fanfarrão, o presenteou com uma doença degenerativa que já tirou 73% da visão de um olho e 30 e poco por cento do outro olho.
e a coisa vai piorar, evidente. mas sabe o que ele teve a manha de fazer?
montar um super bar, cuja montagem ele batiza de processo de cura e se chama exímia, dos projetos mais legais que já vi na área. se você gosta de coquetelaria moderna, vá conhecer esse bar.
e nessa semana conheci a chefe leila carreiro, da dona mariquita, em salvador. ela tem muitos anos de cozinha e se especializou em comida do recôncavo baiano. na quinta-feira preparou um jantar delicioso na casa de um grande amigo em comum, o ivan santinho. o que nem todos sabem é que ela fez todo o serviço de banquete com a visão de um olho bem prejudicada. lembra daquele remedinho que mencionei no primeiro parágrafo? ela precisa tomar também. e eu preciso ir pra salvador pra conhecer esse trabalho mais de perto.
sempre tem alguém fazendo mais com menos que você.
eu sigo por aqui. pra esse mês não tenho dinheiro pra médico e, pela primeira vez na vida, nem pro aluguel. talvez tenha que vender algumas coisas. nesse abril a maré de frango frito tá baixa.
mas tem que tentar o dibre, luciano! assim já dizia o criador da patada atômica.
que tenhamos um começo de semana possível.
beijos,
j.